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Entrevista: Helio B. Costa, consultor em Processos de Participação Social do PLAMUS


29/07/2014

Helio Costa:
Helio Costa: "No PLAMUS, consideramos a ampla participação dos atores sociais envolvidos na questão da mobilidade urbana"

Após concluir um extenso ciclo de oficinas, todas elas envolvendo representantes da sociedade civil e do corpo técnico das 13 prefeituras que integram o PLAMUS - Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis, o gerente de projetos da LOGIT e consultor de Processos de Participação Social do PLAMUS, Helio B. Costa, faz um balanço dos sete encontros iniciados em abril, que trataram de apontar problemas e soluções em mobilidade para a região metropolitana. Os resultados das oficinas já estão disponíveis AQUI.

Para Helio Costa, que também é bacharel em ciências econômicas, mestre em planejamento econômico e doutor pela USP, planejar é ter objetivos. “É preciso enxergar longe. O homem é o sujeito da sua história. Ele a constrói e pode influenciar o seu futuro, mesmo diante de circunstâncias que, às vezes, podem fazer com que ele tenha de procurar atalhos no caminho, mas sempre devemos perseguir um objetivo de progresso”, resume o consultor.

No caso das oficinas, Helio Costa diz que a vantagem de uma técnica estruturada de discussão permitiu a visualização daquilo que estava sendo proposto. Isso porque, segundo ele, a visão da realidade depende do posicionamento social de cada pessoa. “Com a metodologia aplicada durante os encontros, o PLAMUS proporcionou as mais diversas negociações entre atores, considerando a permanente articulação”, acrescenta. Conhecedor dessa dinâmica social, Helio Costa fala na entrevista a seguir sobre a escolha da metodologia e da importância de deixar de lado o ceticismo, o imediatismo e praticar, conjuntamente, a troca de informações, a solidariedade, a compreensão e outros aspectos que alguns poderiam considerar subjetivos na formação de um plano de mobilidade. “No geral as percepções são diferentes umas das outras, mas a riqueza do debate está justamente na negociação dessas visões. Muitas vezes os debates são acalorados, mas o papel do condutor é chamar a atenção para o foco da discussão”.


Qual a relevância da participação social na criação de um plano de mobilidade metropolitano?

Primeiro é preciso avaliar a participação social na formulação de políticas públicas no Brasil, para depois falarmos especificamente sobre a influência dela em planos de mobilidade urbana. De um lado, temos um certo desencontro entre a representação política institucional e o cotidiano do cidadão brasileiro, o que ficou evidenciado nas manifestações nos últimos anos. Por outro lado, nosso modelo constitucional é de uma democracia de conteúdo fortemente participativo e não meramente de uma democracia ao estilo liberal clássico, no qual o cidadão só se manifesta periodicamente, em época de eleições. O Brasil já incorporou a participação do cidadão na formulação e na gestão de políticas públicas como prática institucional, ampliando cada vez mais essa representação social. Nestas três décadas passadas da Constituição de 1988, foram instituídos mais de 31 mil conselhos de gestão pública, como saúde, assistência social, educação, entre outros. Grande parte desses conselhos possui um caráter deliberativo e não meramente consultivo. Essa prática de envolvimento social mais direto também tem sido difundida nos programas de Orçamento Participativo nas instâncias executivas de governo.

E quais são os desdobramentos disso na questão da mobilidade urbana, especificamente?

A Política Nacional de Mobilidade Urbana tem como grande marco a promulgação, em 2001, do Estatuto da Cidade e, mais recentemente, a assinatura da Lei 12.587, de janeiro de 2012, estabeleceu os parâmetros e diretrizes para os municípios nesta questão. A legislação é bastante clara: os municípios acima de 20 mil habitantes devem apresentar seus respectivos Planos de Mobilidade Urbana, os quais precisam estar de acordo com as diretrizes que definem o uso do solo urbano e, sobretudo, contemplar a participação social. Isto significa que, ao elaborar seus PlanMobs, os municípios devem fazer isso consultando e levando em consideração o que os usuários, individualmente ou representados por organizações da sociedade civil, tem a dizer, envolvendo-os de algum modo na sua concepção e elaboração.

Além da obrigatoriedade legal durante o processo de definição de novas políticas públicas, como a participação social pode beneficiar o planejamento de uma cidade?

Simplificadamente, podemos dizer que o planejamento de políticas públicas significa a visualização de uma situação futura melhor do que a que se vive no momento, não importando qual seja o setor ou segmento socioeconômico objeto desse processo de planejamento. Para desenhar e consolidar um processo de planejamento é necessário conhecer essa realidade em que se está vivendo, procurando entender as causas de todos os problemas que devem ser enfrentados. Dado que as visões de futuro não são as mesmas para todos os atores sociais envolvidos e interessados nestas transformações, torna-se necessário buscar o estabelecimento do que eu cham de "consensos mínimos". Por isso, reunimos, ao início do processo de planejamento, todos os stakeholders, quer dizer, os atores sociais interessados no projeto, para comunicar o seu início e também para convidá-los a participar, explicitar o seu ponto de vista em relação ao projeto que se pretende implantar. As concepções e intenções dos atores permitem não somente antecipar crises e contradições inerentes a um processo sociopolítico, como evitar perdas de tempo e retrabalho. 

Oficina de Participação Social realizada em maio, em Florianópolis
Oficina de Participação Social realizada em maio, em Florianópolis

Isso mostra que um plano de mobilidade deve levar em conta diversos aspectos, tanto políticos quanto técnicos.

É isso mesmo. Um plano como este não é meramente técnico, pois ele contém esse aspecto político, no sentido de articulação de interesses e de valores que todos os atores carregam consigo. Isto acontece porque ninguém detém a posse de todos os recursos necessários para a realização das ações que estão sendo propostas. Estes recursos não são somente financeiros, ou tecnológicos, econômicos etc., mas também recursos políticos, como a capacidade de articulação e mobilização da sociedade. Se não tenho tal ou qual recurso, devo emprestá-lo ou comprá-lo de outrem e preciso, então, promover negociações para tanto. É neste sentido que o planejamento público se caracteriza como um “jogo social”, travado em uma arena em que atuam atores sociais com vontades, interesses e valores relacionados aos problemas, com diferentes visões e perspectivas. Este jogo social é, ao mesmo tempo, um jogo de adesão e rejeição a cada um dos planos propostos pelos atores sociais.

Como fazer para conciliar os mais diversos tipos de interesses?

Não existe uma proposta única de plano, mas sim o resultado desse "jogo social", que se constitui na soma de todos os projetos, ou de todas as verdades e vontades que os atores sociais apresentaram para tentar modificar determinada faceta da realidade social. E é assim que se efetua, de fato, o jogo da democracia, no embate e parcerias entre ideias, interesses, valores e ideologias dos atores sociais. O conhecimento deste jogo, isto é, a consciência que se adquire da situação em que se deseja atuar, é que vai garantir, além da eficiência das ações, a eficácia e a efetividade do plano de ação proposto ou, de uma forma mais ampliada ainda, da política pública que será desenhada a partir disso.

Planejar em conjunto com a sociedade é algo pode ser considerado o maior diferencial do PLAMUS?

Os processos tradicionais de planejamento geralmente ignoram esta participação, partindo dos cálculos de um diagnóstico basicamente técnico para projetar as ações do seu plano de ação. No PLAMUS, consideramos a ampla participação dos atores sociais envolvidos na questão da mobilidade urbana. A ideia foi desenrolar um processo de planejamento tecnopolítico, quer dizer, que envolve não somente os imprescindíveis aspectos técnicos de planejamento, mas também os critérios estratégico-políticos, que decorrem da participação social. Foi por isso que envolvemos os atores da sociedade civil da Grande Florianópolis nos estudos, realizando essas oficinas nos municípios da região.

Helio Costa durante a oficina participativa do PLAMUS, realizada em junho em Palhoça
Helio Costa durante a oficina participativa do PLAMUS, realizada em junho em Palhoça

Como foram escolhidas as metodologias aplicadas durante as oficinas?

Optamos por variados métodos, já amplamente testados na prática de elaboração de processos de planejamento público e de projetos, contidos nas metodologias do Planejamento Estratégico Situacional (PES) e do ZOPP. O PES tem uma fundamentação teórica muito forte nas ciências políticas, sociológicas, econômicas e nas teorias de formulação estratégica e a segunda, o ZOPP, é uma metodologia alemã, que significa "planejamento de projetos por objetivos", que nos deu a ferramenta prática de desenho de árvores de problemas e de árvores de objetivos, cujas dinâmicas foram feitas pelos participantes das oficinas. Gosto muito das abordagens teóricas do PES, focados na governabilidade (capacidade de articulação de stakeholders), na capacidade de governo/gestão (capacidade de executar as ações para modificar situações-problema) e na capacidade de planejamento público (capacidade de reconhecer problemas e propor planos de ação para modificar a realidade encontrada). E mais, ambas metodologias partem de premissas da construção de um processo de planejamento através da participação de atores sociais envolvidos e interessados na questão a ser projetada. É necessário registrar que este foi um trabalho de equipe, que contou com a colaboração de Daniely Votto, gerente de Relações Estratégicas da EMBARQ Brasil, além da SC Parcerias e da equipe do Consórcio do PLAMUS, formado pelas empresas LOGIT, Strategy& e Machado Meyer.

A participação social está sendo considerada em vários momentos do PLAMUS, além das oficinas. Como esses resultados serão apresentados?

Estão programados dois retornos à sociedade civil e aos gestores e técnicos das prefeituras, após essa primeira etapa. O primeiro acontecerá tão logo tenhamos finalizado os estudos técnicos de tráfego, da pesquisa origem-destino, ou seja, o diagnóstico da situação da questão da mobilidade na região metropolitana que vem sendo estudada pelo PLAMUS. O outro retorno será dado quando os estudos apontarem as primeiras hipóteses de solução, através de projetos e ações imprescindíveis para o enfretamento dos problemas de mobilidade urbana.

Como foram selecionados esses stakeholders, personagens identificados com a questão da mobilidade urbana nas cidades?

Foi preciso um trabalho de identificação de todas as organizações com interesse na questão. Vale destacar que a definição de ator social está inerente a organizações e personalidades que detém recursos para participar daquilo que chamamos jogo social nas perguntas iniciais desta entrevista, mas tomamos o cuidado de não restringir a participação de pessoas que individualmente manifestaram interesse em participar destas oficinas de planejamento.

Alguns problemas comuns apontados nas cidades são o congestionamento, ônibus lotados e a falta de alternativas de transporte. De que forma esse quadro poderá ser revertido a partir da entrega do plano?

É justamente para isto que o PLAMUS está sendo realizado. A última pesquisa Origem-Destino da Grande Florianópolis foi realizada em 1978. Daí a necessidade de novas pesquisas e conhecimento desse problema muito bem estruturado, no sentido de “pesado”, arraigado, que ocasiona perdas, tanto do ponto de vista socioeconômico e ambiental, como de infraestrutura urbana.  Acredito que nas formulações das soluções estarão presentes hipóteses clássicas de práticas disseminadas mundo afora, mas também soluções que são específicas para o espaço geográfico e estrutura urbana da realidade de Florianópolis.

Como as oficinas técnicas abordaram essas questões? Algum tema chegou a ser considerado prioridade nesses encontros?

Não houve priorização das ações durante as oficinas. Estes eventos não foram desenhados para isso. As dinâmicas de grupo que fizemos partiram da definição de problemas, de sua explicação e posterior formulação de hipóteses de solução, ou objetivos futuros. Tudo isso, do ponto de vista do grupo e dos municípios participantes. Entretanto, sob o aspecto de uma política pública de mobilidade urbana, o foco deve estar na facilitação da mobilização das pessoas no ambiente urbano e me parece apropriado que deveria seguir as indicações da própria legislação, que sinaliza a seguinte hierarquia: pedestre em primeiro; seguido por transporte não motorizado, transporte coletivo motorizado e automóvel. É necessário, de fato, procurar um certo equilíbrio intermodal.

Quais serão seus próximos passos dentro do PLAMUS, agora com o ciclo de oficinas chegando ao fim?

Pretendo retomar o contato com a sociedade civil e os gestores das prefeituras tão logo tenhamos os resultados dos estudos dessa fase de diagnóstico. Com isso poderemos realizar reuniões e encontros para expor o contraponto e melhorar as visões desenhadas pelos grupos nas oficinas e as conclusões do Diagnóstico Técnico, fundamentados nos resultados das pesquisas feitas pelo consórcio responsável pelo PLAMUS.

O que mais chamou sua atenção neste período?

É muito gratificante para quem conduz estas oficinas ouvir uma avaliação final do evento, mesmo que oral, dos participantes. Há várias reações. Aparecem os descrentes, embora estejam participando de várias oficinas, que dizem que não vai adiantar nada participar. Isso porque, na maioria de encontros desse tipo, os níveis do retorno e respostas do poder público é muito pequeno. Há também aqueles que eu chamaria de desconfiados, aqueles que estão “pagando para ver”, mas que por serem curiosos participam até com certo entusiasmo. Há, por fim, os idealistas, aqueles que acreditam que com sua ação poderão trazer alguma transformação, por pequena que seja, à realidade que se quer transformar. Alguns deles sabem que as transformações se darão de forma paulatina, que o importante é o fortalecimento das organizações da sociedade civil, que poderão dar o tom de mudanças, do progresso. Ao final de uma das oficinas, por exemplo, as organizações que ali estavam decidiram, como objetivo futuro, constituírem um fórum permanente para cobrar a municipalidade, pautando suas ações na forma de um processo dinâmico, participativo e permanente de planejamento. Quer presente maior do que este para nós, planejadores? 


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